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Com 47,6% dos brasileiros sem coleta de esgoto, meta de universalização até 2033 é 'impossível', diz especialista
23/07/2019 10:18 em Todas

Despejo de esgoto sem tratamento é principal forma de contaminação de água no Brasil; marco regulatório do saneamento básico no Brasil transita no Congresso.

Por Bárbara Muniz Vieira, G1 — São Paulo

 

Cano de esgoto do banheiro cai direto no Riacho Doce, na Zona Norte de Maceió — Foto: Marcelo Brandt/G1

Cano de esgoto do banheiro cai direto no Riacho Doce, na Zona Norte de Maceió — Foto: Marcelo Brandt/G1

 

Quase 100 milhões (99.710.520) de brasileiros não têm coleta de esgotos, o que representa metade da população (47,6%), de acordo com a Confederação Nacional das Indústrias (CNI). O Brasil se comprometeu a oferecer saneamento básico a toda a população até 2033, mas as metas estão muito longe de serem cumpridas.

 

São serviços de saneamento o abastecimento de água potável, a coleta e tratamento de esgoto, a limpeza urbana e a redução e reciclagem do lixo.

 

Com o objetivo de universalização do acesso, o Senado aprovou no início de junho o Projeto de Lei 3.261/2019, que atualiza o marco regulatório do saneamento básico no Brasil e permite que empresas privadas prestem serviços por meio de contratos de concessão. O texto ainda vai passar pela Câmara.

 

 

Em junho, o Desafio Natureza do G1 visitou Alagoas, um dos estados em que houve piora na qualidade da água por causa da deficiente oferta de coleta e tratamento esgoto. No estado, 83,1% da população não tem coleta de esgoto e só 20% do que é coletado é tratado (assista abaixo).

Falta de tratamento de esgoto ameaça o turismo e a saúde da população de Alagoas

 

O despejo de esgoto sem tratamento é a principal forma de contaminação de água, segundo a Agência Nacional das Águas (ANA) no estudo Atlas Esgotos, de 2017.

 

De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2019, vinculado à Secretaria Nacional de Saneamento (SNS) do Ministério do Desenvolvimento Regional:

 

  • 35 milhões de brasileiros não têm acesso à rede de água potável;

 

  • Quase 100 milhões (99.710.520) de brasileiros não têm coleta de esgotos, o que representa metade da população;

 

  • Apenas 45% do esgoto coletado é tratado;

 

  • 1.935 dos 5.570 municípios brasileiros, ou 34,7% do total, ainda registram epidemias ou endemias relacionadas à falta ou à deficiência de saneamento básico;

 

  • Moradores de locais sem saneamento básico ganham salários 85% menores do que a população com acesso a água, coleta e tratamento de esgotos, e também estão mais vulneráveis a doenças;

 

  • O Brasil gastou R$ 1,1 bilhão com internações entre 2010 e 2017 por Doenças Relacionadas ao Saneamento Inadequado (DRSAI), como diarreias, verminoses, hepatite A, leptospirose e esquistossomose, dentre outras. O custo anual disso é de R$ 140 milhões;

 

 

 

"Isso mostra que temos verdadeiros contingentes humanos no Brasil sem acesso ao que há de mais elementar e o quanto estamos distantes de países mais desenvolvidos."

 

Coleta e destinação adequada de resíduos sólidos á parte do saneamento básico; na imagem, Praia da Avenida, em Maceió, recebe urubus por causa do lixo — Foto: Marcelo Brandt/G1

Coleta e destinação adequada de resíduos sólidos á parte do saneamento básico; na imagem, Praia da Avenida, em Maceió, recebe urubus por causa do lixo — Foto: Marcelo Brandt/G1

 

 

Metas não serão cumpridas

 

 

Segundo o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), de 2010, os municípios brasileiros deveriam cumprir as metas de universalização dos serviços à população até 2033. Mas isso será impossível de acontecer, de acordo com Ilana Figueiredo, especialista em infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

 

 

A CNI calcula ser preciso ampliar em 62% o valor anual investido no setor, dos atuais R$ 13,6 bilhões para R$ 21,6 bilhões anuais. Mas, entre 2010 e 2017, os valores variaram de R$ 10,7 bilhões a R$ 14,9 bilhões, de acordo com a Trata Brasil.

 

 

Além do Plansab, o Brasil é signatário dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). O país tem prazo até 2030 para oferecer água e esgoto a toda a população. Esse prazo mais curto está ainda mais longe de ser cumprido.

 

 

Turista faz selfie na praia de Pajuçara, em Maceió, considerada própria para banho na ocasião, apesar da sujeira advinda de canal pluvial — Foto: Bárbara Muniz Vieira/G1

Turista faz selfie na praia de Pajuçara, em Maceió, considerada própria para banho na ocasião, apesar da sujeira advinda de canal pluvial — Foto: Bárbara Muniz Vieira/G1

 

 

O Marco Regulatório

 

Uma das medidas em nível nacional para tratar do problema, o Marco Regulatório do Saneamento Básico gerou polêmica ao abrir o setor para a concessão de serviços à iniciativa privada, incluindo-as nas licitações e acabando com o direito de preferência das companhias públicas estaduais na concorrência.

 

O formato do contrato poderá ser, por exemplo, uma Parceria Público-Privada (PPP), firmada entre empresa privada e o governo federal, estadual ou municipal.

 

“É positivo que haja competição entre o público e privado. Uma concessão seria uma garantia de melhores serviços porque a empresa com melhores condições prestaria o serviço”, diz Ilana.

 

A permissão para que uma mesma empresa preste serviço para um "bloco" de municípios é um dos pontos do texto ressaltados pela especialista. Segundo ela, ele foi proposto porque uma cidade pequena isolada pode não ser rentável para a empresa privada.

 

Uma emenda aprovada em plenário estabeleceu que os blocos serão determinados por lei estadual. Não há limitação para tamanho ou número de cidades – um bloco pode corresponder a um estado, por estado. Os estados terão três anos para criar os blocos.

 

O projeto está aguardando a Constituição de Comissão Especial da Câmara dos Deputados para analisar a matéria, e ainda não há prazo para votação.

Rio Fonte Grande, em São Miguel dos Milagres: apesar de considerado com qualidade ruim no estado em estudo da SOS Mata Atlântica, população usa água para dar banho em animais — Foto: Marcelo Brandt/G1

Rio Fonte Grande, em São Miguel dos Milagres: apesar de considerado com qualidade ruim no estado em estudo da SOS Mata Atlântica, população usa água para dar banho em animais — Foto: Marcelo Brandt/G1

 

 

Viver sem coleta de esgoto

 

Enquanto governos, empresas e parlamentares discutem novas regras para o setor, a professora Ana Cláudia da Silva Balbino, 30 anos, vive em uma casa à beira do Riacho Doce, rio que batiza o bairro na Zona Norte de Maceió.

 

Alagoas é um dos estados que tiveram queda no Índice de Qualidade da Água (IQA) dos rios em 2019, de acordo com o estudo Observando os Rios, da SOS Mata Atlântica. O Riacho Doce teve qualidade regular no período de março de 2018 a fevereiro de 2019.

 

De acordo com moradores do bairro, o Riacho Doce costumava ser limpo há 20 anos. As crianças tomavam banho e as mulheres lavavam roupas às margens do rio. Nenhum morador do bairro tem coleta de esgoto. Nas casas ao redor, o esgoto cai diretamente no rio.

 

 

O resultado direto para a população são doenças como esquistossomose, cólera, amebíase, diarreia e gastroenterite.

 

 

A professora Ana Cláudia Balbino vive em casa sem coleta de esgoto no bairro do Riacho Doce, Zona Norte de Maceió — Foto: Marcelo Brandt/G1

A professora Ana Cláudia Balbino vive em casa sem coleta de esgoto no bairro do Riacho Doce, Zona Norte de Maceió — Foto: Marcelo Brandt/G1

 

 

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