Entenda o avanço de leis contra o aborto nos Estados Unidos
24/05/2019 10:06 em Todas

Desde o início do ano, 8 estados americanos aprovaram leis que vetam ou restringem o acesso ao procedimento. Entenda o que defendem os movimentos pró e contra e como o cenário político pode interferir em decisões futuras.

Por Lara Pinheiro, G1

 

Ativistas pró e contra o direito ao aborto. — Foto: Foto: France Presse (esq.) e Associated Press (dir.). Montagem: G1

 

Na última terça-feira (21), mulheres foram às ruas em várias cidades dos Estados Unidos em atos pelo direito ao aborto. No país, onde o direito ao procedimento é garantido por decisão federal, 8 estados aprovaram, desde o início do ano, leis que vetam ou restringem o acesso a ele.

 

As legislações mais recentes, no Alabama e no Missouri (ainda pendente de sanção do governador), têm proibições mesmo em casos de estupro. (Veja ao final da reportagem quais normas foram aprovadas nos oito estados).

 

Nos Estados Unidos, o direito ao aborto foi decidido em nível federal no caso "Roe v. Wade", de 1973. A Suprema Corte, garantiu o direito ao procedimento até o chamado "ponto de viabilidade" do embrião — entre 24 e 28 semanas de gestação. Depois disso, considera-se que o feto pode sobreviver fora do útero da mulher, e o aborto pode ser feito se houver risco de saúde para ela.

 

Por que o aborto voltou a ser assunto nos EUA?

Nas fotos, de 1989 (dir.) e 1998, aparece Norma McCorvey, a "Roe" no caso "Roe v. Wade"; ela foi a mulher que alegou que leis do Texas proibindo o aborto eram inconstitucionais, e o caso acabou na Suprema Corte. McCorvey mudou sua posição antes de morrer, afirmando que gostaria de ver a decisão anulada porque "o experimento com o aborto legal falhou", diz a agência France Presse. — Foto: Greg Gibson e Chris Kleponis / AFP

 

Para a professora Carol Sanger, da faculdade de Direito da Universidade de Columbia, em Nova York, as normas aprovadas pelos estados são ilegais.

 

Na opinião de Sanger, trata-se de uma tentativa de levar casos à Suprema Corte — para fazer o tribunal rever a decisão em Roe v. Wade. Até mesmo o fato de Trump ocupar a presidência, afirma, pode influenciar em uma eventual mudança: ele pôde indicar os dois membros mais recentes da Suprema Corte — Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh —, que têm tendências conservadoras.

 

 

Em 2016, durante a campanha presidencial, Trump já havia indicado que pretendia indicar à Suprema Corte juízes a favor de derrubar a decisão em Roe.

A Suprema Corte dos EUA. Na primeira fila, da esq. para dir. : Stephen G. Breyer, Clarence Thomas, John G. Roberts (líder); Ruth Bader Ginsburg; Samuel A. Alito. Atrás, da esq. para dir.: Neil Gorsuch, Sonia Sotomayor, Elena Kagan e Brett Kavanaugh. — Foto: Fred Schilling, Collection of the Supreme Court of the United States

 

Staci Fox, diretora do Planned Parenthood Southeast, também acredita que tanto o presidente quanto os membros da corte contribuíram para o movimento atual. Fox gerencia as unidades da organização na Geórgia, no Alabama e no Mississippi. O Planned Parenthood oferece cuidados com saúde reprodutiva, inclusive abortos, a baixo custo em todos os Estados Unidos.

Em fevereiro, a Suprema Corte decidiu, por 5 votos a 4, vetar uma lei na Louisiana que, se posta em prática, manteria apenas um médico fazendo abortos em todo o estado. Tanto Gorsuch quanto Kavanaugh votaram a favor da medida.

 

 

A composição da corte, no entanto, é apenas um dos fatores que contribuem para que o movimento contra o aborto esteja ganhando força, diz Mary Taylor, diretora da organização Pro-Life Utah — que é contra o direito ao procedimento.

Mulher segura um cartaz que diz "encare: o aborto mata!" na porta da clínica Jackson Women's Health Organization, única clínica a fazer abortos no Mississippi, no dia 20 de março de 2018. — Foto: Rogelio V. Solis/AP

 

 

Protestos pró-aborto em Austin, no Texas, nesta terça-feira (21). — Foto: Jay Janner/Austin American-Statesman via AP

 

Em janeiro, o estado de Nova York sancionou uma lei que garante o direito ao aborto mesmo que Roe v. Wade seja derrubada. Pelo menos outros 9 estados, de acordo com o Guttmacher Institute — organização americana pró-direito ao aborto que estuda direitos reprodutivos — têm a mesma garantia. Outros estados também estudam aprovar medidas semelhantes.

 

Também segundo o Guttmacher, 1 em 4 mulheres americanas terá feito um aborto até os 45 anos de idade, e 1 em 5 até os 30 anos.

 

Movimento histórico

 

"Eu sobrevivi a um aborto ilegal em Birmingham, Alabama, em 1969. #NuncaMais", diz o cartaz de uma manifestante em Manhattan, Nova York, nesta terça (21). — Foto: Mary Altaffer/AP

 

Ainda que esteja sendo alimentado pelo momento político do país, o movimento para anular Roe vem de décadas. Entre 1973 e 2003, pelo menos 330 propostas de emenda à Constituição para proibir o aborto foram apresentadas no Congresso americano, de acordo com dados compilados pela organização Human Life Action, que é contrária ao procedimento.

 

 

A única votação de uma dessas emendas, no Senado, em 1983, terminou com a reprovação da medida.

 

Depois dos esforços iniciais de mudar a Constituição do país, explica Carol Sanger, os ativistas contra o aborto passaram a atuar em leis estaduais — para dificultar o acesso ao aborto.

Na foto, Laurie Ploch segura um desenho de um útero com os dizeres "meu, não seu" em frente à Suprema Corte em Washington, capital dos Estados Unidos. — Foto: Jacquelyn Martin/AP

 

 

"Eles pensaram: em vez de derrubá-la [Roe] com uma decisão, vamos, pouco a pouco, restringir o financiamento ao aborto, por exemplo. Há a questão das distâncias — nós temos muito poucos provedores de aborto fora de grandes cidades, então é mais difícil chegar a uma clínica. Agora, também obrigam as mulheres a fazerem um ultrassom antes do aborto — não porque elas precisam, mas para mostrar a elas — e é mais difícil emocionalmente quando oferecem uma imagem do seu ultrassom", diz Sanger.

 

 

O ultrassom é justamente um dos fatores que, para Mary Taylor, da ProLife Utah, contribuiu para a aprovação de Roe.

 

 

"Era fácil fazer isso em 1973 — nós não tínhamos ultrassom disponível como temos agora, não tínhamos como ouvir o batimento do coração do bebê tão cedo, então era muito fácil esconder do público a realidade horrível do aborto e a humanidade do bebê que não havia nascido", diz.

Manifestantes contra o aborto realizam ato perto de uma clínica do Planned Parenthood na Filadélfia no dia 10 de maio. — Foto: Matt Rourke/AP

 

Quase 20 anos depois da aprovação da lei, em 1992, chegou à Suprema Corte o primeiro caso que poderia ter anulado Roe, "Casey v. Planned Parenthood". Na ocasião, dois novos juízes, conservadores, tinham acabado de ser indicados ao tribunal pelo presidente George W. Bush — e apenas 2 dos 9 juízes da corte haviam demonstrado apoio anterior a Roe. Ainda assim, a lei foi mantida, por 5 votos a 4.

 

De acordo com Pew Research Center, no ano passado, 58% dos adultos americanos eram a favor de que o aborto fosse legal em todos ou na maioria dos casos. Segundo o instituto de pesquisas Gallup, 64% dos americanos eram, no ano passado, a favor da decisão em Roe v. Wade.

 

Futuro

 

 

A professora Carol Sanger, de Columbia, não descarta a possibilidade de que a discussão chegue à Suprema Corte, mas acredita que deve demorar.

 

 

Mulheres foram às ruas nos Estados Unidos nesta terça (21) em um protesto nacional contra as restrições ao aborto. Na foto, uma mulher segura uma placa com "tire as mãos de Roe v. Wade" em Montgomery, no Alabama. — Foto: Butch Dill/AP

 

"Eu não acho que vá acontecer nos próximos dois anos. Suspeito que os juízes vão dizer que esta não é a hora de decidirem um caso de aborto — com as eleições chegando. Enquanto John Roberts, que é católico e conservador, estiver à frente da corte, ela será conhecida como corte de Roberts. E eu acho que ele está preocupado em não desequilibrar o jogo dos direitos reprodutivos", avalia Sanger.

 

A professora acredita que, se Roe for derrubada, o direito ao procedimento voltaria a ser decisão dos estados.

 

Apesar de reconhecer que, mesmo que a discussão chegue à Suprema Corte, não há garantia de mudança na lei, Taylor está confiante.

Beck Gerritson, presidente do Eagle Forum do Alabama, discursa em Montgomery nesta quarta-feira (22) em uma manifestação contra o aborto. — Foto: Kim Chandler/AP

 

 

De acordo com o Planned Parenthood, até março deste ano, mais de 250 projetos de lei restringindo o aborto haviam sido propostos em 41 estados americanos.

 

Já Staci Fox, diretora da organização no sudeste dos EUA, diz que "Acabar com o aborto não para com os abortos — só com os abortos seguros e legais. É perigoso e irresponsável da parte deles brincarem de política com a vida das mulheres. Nós faremos tudo o que pudermos para garantir que o aborto permaneça disponível, seguro e legal", afirmou.

 

Políticas de proteção e restrição ao aborto nos Estados Unidos. — Foto: Arte: Diana Yukari/G1

 

Entenda o que foi aprovado em cada estado

 

 

Alabama

 

A governadora do Alabama, Kay Ivey, sancionou nesta quarta (15) a lei que restringe o aborto no Alabama mesmo em casos de estupro. A única exceção é quando há risco de vida para a mãe. — Foto: Hal Yeager/Alabama Governor's Office via AP

 

 

É a lei mais restrita aprovada até agora. Bane o aborto em quase qualquer situação — a única exceção é quando há risco de vida para a mulher. Mulheres que abortam não seriam processadas, mas médicos poderiam pegar até 99 anos de prisão. Foi sancionada no dia 15 de maio pela governadora, a republicana Kay Ivey. No estado, a lei deve ser contestada “logo” nos tribunais, disse ao G1 Staci Fox, diretora do Planned Parenthood Southeast.

 

 

Geórgia, Mississippi, Ohio e Kentucky

 

Governador da Geórgia, Brian Kemp, assina 'lei do batimento cardíaco', que restringe o aborto — Foto: Bob Andres/Atlanta Journal-Constitution via AP

 

Sancionaram as chamadas “leis dos batimentos cardíacos”, que determina que as mulheres não podem abortar depois que os batimentos cardíacos do embrião são detectados — o que ocorre por volta de seis semanas de gestação. A essa altura, muitas não sabem que estão grávidas.

 

No Mississippi, onde a lei deveria entrar em vigor em julho, foi contestada pela Jackson Women’s Health Organization, e chegou a um tribunal nesta terça-feira (21), onde deve ser barrada. Assim como no Alabama, pela lei proposta no estado não há exceções para casos de estupro ou incesto. Médicos que fazem abortos que infringem a lei podem perder a licença profissional.

 

 

A diretora da Jackson Women's Health Organization, única clínica que faz abortos no Mississippi, afirmou que agora recebe ligações de mulheres do Alabama, Flórida, Geórgia, Louisiana e Tennesse para saber se o local continua funcionando. — Foto: Rogelio V. Solis/AP

 

Em Ohio, a ACLU – sigla para American Civil Liberties Union, entidade que defende direitos civis nos Estados Unidos – moveu, no dia 15, uma ação judicial contra o estado por causa da legislação, que também deveria entrar em vigor em julho.

 

Na Geórgia, onde a lei deveria valer a partir do ano que vem, a norma deve ser contestada ainda neste verão (inverno no Brasil), de acordo com Staci Fox, da Planned Parenthood.

 

No Kentucky, a lei está suspensa desde março. O caso está em aberto.

 

Missouri

 

 

A senadora democrata Karla May, durante a discussão da lei no Senado no dia 15. A medida foi aprovada no Senado na madrugada de quinta-feira e na Câmara nesta sexta (16). — Foto: Sally Ince/The Jefferson City News-Tribune via AP

 

Parlamentares aprovaram uma lei que, assim como a do Alabama, veta o aborto mesmo em casos de estupro e incesto, e ainda após a 8ª semana de gravidez. Para entrar em vigor, a medida depende de sanção do governador. A única exceção é quando há algum risco de saúde para a mulher. Médicos poderiam ser punidos com 5 a 15 anos de prisão, mas as mulheres não seriam processadas.

 

Se as restrição após a 8ª semana for considerada inconstitucional, o texto também tem cláusulas que proibiriam o aborto depois de 14, 18 ou 20 semanas de gestação.

 

A lei aprovada também inclui a proibição total ao aborto exceto em casos de ameaça à saúde da mulher, mas essa cláusula só entraria em vigor se Roe v. Wade fosse derrubada.

 

 

Arkansas e Utah

 

Deanna Holland, vice-presidente da ProLife Utah, segura cartazes que dizem "amem os dois" e "feto = bebê" em um ato em Salt Lake City nesta terça-feira (21). — Foto: Rick Bowmer/AP

 

Sancionaram leis, em março, que proíbem a maioria dos abortos depois de 18 semanas de gravidez. No Arkansas, já havia uma proibição do procedimento depois da 20ª semana de gestação.

 

 

Em Utah, a legislação, que abria exceção para estupro, incesto, anomalia fatal do embrião ou risco à saúde da mãe, deveria entrar em vigor neste mês, mas foi suspensa por um juiz até que o caso seja resolvido. No Arkansas, a previsão é que passe a valer a partir deste verão americano, mas a ACLU já afirmou que vai contestar a norma.

 

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